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OPINIÃO: João, você sempre pode perguntar por mim
Desafiámos a Célia Lourenço, uma das jornalistas que mais vezes escreveu sobre João Sousa para o jornal ‘A BOLA’, a contar algumas das melhores histórias sobre ‘o seu menino’.
Quando recebi o convite para a conferência de Imprensa do João Sousa, rapidamente percebi qual seria o teor. Enviei mensagem por Whatsapp ao João com uma pergunta mais de retórica do que outra coisa qualquer. “É para preparar os Kleenex, não é?”, escrevi, recebendo uns emoji com sorrisos a dizer “É surpresa”! Não era, claro. Ainda acrescentei que a parte boa, apesar do “em busca de emprego” figurar na minha nova condição profissional, seria a de não ter de escrever sobre o fim da carreira dele. Não o fiz para o jornal em que perdi a conta ao número de carateres nos quais dei a conhecer as histórias e as conquistas do João e do Frederico Marques, seu treinador e uma fonte inesgotável de peripécias vividas no circuito. Mas assim que a Sofia Ramos Silva, da Lusa, e o Pedro Carvalho, melhor press officer que conheci e um amigo, semearam a ideia e o José Morgado a aceitou, eis-me aqui a tentar dar cor ao ecrã branco do computador para falar sobre o João Sousa e o que significou para os jornalistas.
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Para mim, que sou da velha guarda, parafraseando o próprio na conferência, quiçá a lembrar que nos comunicamos desde o tempo que os telemóveis tinham teclas e ecrãs a preto e branco, é símbolo de que entre atletas e jornalistas pode haver respeito, profissionalismo, amizade, gratidão, reconhecimento e até lágrimas. Entre mim e o João há de tudo um pouco, desde o dia em que no Estoril Open de 2008, não muito longe daquele jardim no Jamor em que anunciou a despedida, aceitou o repto que lhe lancei para o dia da Mãe, deixando-se fotografar com as gerberas que ofereciam à entrada do recinto como se estivesse a oferecê-las à sua. A mãe Adelaide que, de coração apertado, o deixara voar para Barcelona. Desde então, aquele miúdo, que tirava o selim da bicicleta para que esta não fosse roubada a cada ida para a escola na Catalunha, passou a fazer parte da minha rotina profissional.
O João foi crescendo como tenista e eu, como jornalista, acompanhei-o, ganhando espaço no jornal. A cada future que ganhava ficava a promessa da troca de mensagens na semana seguinte, quase um talismã do bom resultado que podia vir. Assim, chegámos à madrugada de 29 de setembro de 2013. Num streaming de qualidade duvidosa, vi a história a ser escrita pelas cordas da raqueta do João. Portugal tinha o primeiro campeão no circuito ATP. Chorei qual Madalena, de felicidade, e ainda de voz embargada ouvi uma gargalhada feliz do outro lado: “A Célia parece a minha mãe, só chora!” Na verdade, direcionei muito do meu instinto maternal para os “meus meninos”, como apelido carinhosamente os atletas cujas carreiras acompanhei prolongadamente.
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O João e Fred retribuíram muito desse empenho, acedendo sempre aos meus pedidos, concedendo-me alguns ‘furos’ jornalísticos e, em 2015, com o maior privilégio de todos: convidando-me para a box dos jogadores no court central de Wimbledon, acompanhada do Zé Morgado, quando o nosso Conquistador defrontou Stan Wawrinka. Da catedral, também recordo uma passagem no jardim do Players Lounge. O João aguardava por desistências para entrar como lucky loser e aproveitei para dois dedos de conversa com ele. Eis que chega Roger Federer, fazendo questão de cumprimentar o vimaranense com um ‘Hello Juau” – o ditongo ‘ão’ é tramado de pronunciar pelos estrangeiros – seguido de um aperto de mão. Recordo-me do semblante de menino feliz que acaba de receber o brinquedo com que Sousa ficou no rosto, orgulhoso pelo reconhecimento do lendário suíço.
Assumo aqui que é quase como me sinto sempre que o João, ou qualquer outro jogador com quem tenho mais confiança, dá o mote para que faça a pergunta de arranque das conferências de imprensa na Taça Davis ou num dos palcos nacionais. Uma brincadeira que se tornou quase um posto, pela idade, respeito e carinho recíprocos, com brincadeira à mistura. Se na conferência de imprensa de despedida, entendi que devia manter-me em silêncio por não estar a trabalhar, dando espaço aos demais jornalistas – algo a que João não ficou indiferente pois, antes de responder à colega da SportTV, lá deixou escapar que sempre pensou que seria eu a fazer a primeira pergunta -, no momento mais alto da carreira dele, o título do Estoril Open em 2018, também não cumpri a tradição nesse dia histórico. Mesmo sabendo que só o falecimento de um familiar me afastaria daquele momento, João chegou à sala de imprensa e questionou: “Não está cá a Célia?”. Não estive lá, assisti mais tarde a tudo com a visão turva pelas lágrimas e depois de o telemóvel ser inundado por mensagens a dizer que o campeão não me tinha esquecido.
Abracei-o no dia seguinte antes de fazer uma entrevista de quatro páginas que abriram o jornal e todas as outras vezes que senti o seu sofrimento, porque o corpo deixara de acompanhar a vontade batalhadora da alma. Custava-me, assumo, perguntar diretamente até quando? Fi-lo com o tato possível e com o respeito que o João sempre fez por merecer. Mesmo a precisar do tempo para se sentir à vontade e dar a conhecer o lado travesso ou enxertadinho, como o provocava em comparação com o meu afilhado, também João Pedro de nome próprio e carneiro de signo, soube conquistar os media.
Com o seu profissionalismo, educação e saber estar, Sousa cativou jornalistas e fez com que as chefias dos media se alistassem na legião que vibrava por mais conquistas, chorava de alegria quando estas aconteciam, lutava por espaço e visibilidade nas páginas de jornal – mais do que a maioria das pessoas tem noção – e queria adiar o inevitável, quase tanto como o próprio João. Um pioneiro que deixa um legado inequívoco na modalidade, no desporto português que leva miúdos a acreditarem que é possível ser tenista.
Criou tendências. Comigo também, por isso, fica aqui a promessa de que serei a primeira a fazer a pergunta da praxe depois do último encontro da tua carreira, João. Porque há tradições que valem a pena manter. Obrigada por tanto.
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