Nuno Borges: «Vai ser difícil para um português ganhar um Slam nesta geração»

Nuno Borges: “Vai ser difícil para um português ganhar um Slam nesta geração”

Por José Morgado - maio 24, 2024
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FOTO: Federação Finlandesa

Nuno Borges passou esta sexta-feira pela sala de conferências de imprensa de Roland Garros para o Media Day e conversou com o jornal ‘Record’ sobre o seu encontro da primeira ronda diante do checo Tomas Machac… e não só. O maiato de 27 anos não fugiu a nenhum tema.

O QUE ESPERAR DE MACHAC

Ele tem andado a jogar muito bem, principalmente na altura do piso rápido, no início do ano, e ele estava a jogar extremamente bem. Mesmo no ano passado já estava a dar alguns sinais de que estava a chegar ao seu melhor momento de forma. E dizendo isto não quer dizer que ele não jogue bem na terra batida. Eu já sei que ele joga muito bem. Na altura, jogámos contra ele na Davis Cup. Joguei pares contra ele, mas acho que nunca joguei singulares. Já treinei dezenas de vezes com ele e dou-me muito bem com ele e com o treinador. Portanto, tenho muito respeito. Sei que ele está a jogar muito bem e preciso de estar a jogar o meu melhor se quiser ter hipótese.

É VANTAGEM CONHECER O RIVAL?

É uma vantagem. Mas ele de certa maneira também me conhece bem, portanto é igual para os dois. Lá está, é como se fosse qualquer outro jogador, é chegar lá dentro e é usar aquilo que tenho. Felizmente não tenho que ir ver vídeos e estudar tanto, porque lá está, já tive a oportunidade de bater bolas com ele. Mas lá está, ele também me conhece bem. Nunca nos defrontamos. Portanto, a melhor de cinco sets é sempre diferente. Eu a tentar tirar proveito de estar aqui há mais tempo e ele, de certa maneira, com confiança de ganhar jogos, mas também, se calhar um pouco mais desgastado. Veremos. Só no jogo se saberá.

BORGES TAMBÉM ESTÁ NUM GRANDE MOMENTO

Sim, é verdade, estamos os dois no nosso melhor momento, diria. Eu acabei de entrar outra vez no top-50 e ele já estava aqui há algum tempo, mas, de certa maneira, está a jogar o seu melhor e tem vindo a subir muito, e eu acho que ele tem potencial para subir mais ainda. Portanto é ir a jogo. Não sabemos como é que vai sair, mas espero estar a jogar bem. A verdade é que me tenho sentido bem. Os últimos torneios têm corrido bem. Tenho atingido um bom nível, a meu ver, e tenho andado contente com isso. Mas tenho que ir à procura de mais e sempre sem garantias nenhumas, porque o ténis nos ensina isso sempre. Portanto, sei que tenho que trabalhar para estar a jogar bem e aproveitar estes próximos dias até, não sei, segunda-feira ou quando o jogo for.

COMO ESTÁ FISICAMENTE

A verdade é que eu escolhi não jogar o torneio de Lyon, exactamente por isso, para também gerir um bocadinho a carga. A verdade é que eu estava a me sentir bem, mas o desgaste foi muito. Achei que foi uma escolha inteligente, como tem corrido bem, poderia ser um pouco mais cauteloso nesta altura. Ainda tenho um grande ano pela frente e muitos torneios pela frente, portanto achei bem poder gerir um bocadinho melhor, poder tirar dois ou três dias para descansar um bocadinho mais e voltar a preparar-me da melhor maneira para este torneio. Realmente é muito importante.

DE VOLTA AO TOP 50

Eu tenho vindo a dizer que a solução tem sido a consistência e o facto de me ter mantido saudável, de ter continuado a conseguir trabalhar nas minhas coisas e pouco a pouco ir evoluindo. E ao fim de seis meses, um ano, sente-se a evolução. Mesmo que na televisão pareça o mesmo Nuno Borges do costume e as mesmas jogadas, eu sinto-me um bocadinho mais forte, um bocadinho mais capaz, com um bocadinho mais de soluções, a movimentar-me um ligeiramente melhor. E tudo isso ao fim de alguns meses, começa-se a perceber também nos resultados e felizmente eu tenho-me sentido melhor. Às vezes os resultados podem não seguir, mas felizmente têm seguido e também o desafio tem sido cada vez maior e eu sinto que tenho estado à altura do desafio. Portanto, estou muito contente.

O RANKING INTERESSA?

Estar a 45 ou 55 ou até mesmo 65. A diferença é pouca. Às vezes há um torneio de diferença, um match point salvo na primeira ronda, como em Roma, e de repente estou na quarta ronda. Portanto, também é preciso olhar um bocadinho para a imagem de trás, com um bocadinho mais de distância. O que quero dizer é que o importante é olhar para o nível e sentir-me a jogar melhor, que não é fácil às vezes para o jogador, no dia a dia, aperceber-se disso. Mas felizmente tenho uma equipa que me ajuda também a ver isso. Mas lá está felizmente os resultados têm aparecido, mas quem sabe também podia ter corrido melhor ainda com mais um pouco de sorte, algo que às vezes é incontrolável e de repente estou a top-40, não é? Às vezes um jogo muda tudo. Eu acho que o ranking conta mas, de certa maneira, às vezes, jogando com um atleta que está a 70, ou a 90 no ranking, às vezes não diz muito e os momentos de cada um são sempre muito únicos. Só porque um atleta está à frente no ranking não quer dizer que depois, no jogo, isso se demonstre dessa maneira.

JOGOS OLÍMPICOS SÃO OBJETIVO

Sem dúvida. Os Jogos Olímpicos eram o meu objetivo principal desde o final do ano passado. E já digo isso há algum tempo. Lá está, não estou a desvalorizar os outros torneios, principalmente os grandes Slams são sempre da maior importância e da maior prioridade para mim. Mas já que temos um torneio que só acontece de quatro em quatro anos, acho que é especial e para mim é muito importante. E a minha equipa também concorda com isso. Portanto, acima de tudo, eu gostava de poder participar nos Jogos Olímpicos e representar Portugal. Era mais um objetivo concretizado, um sonho tornado realidade, algo que dificilmente tinha visto acontecer. Aliás, na altura, há uns anos, se calhar teria pensado que em 2028 pode ser que consiga, porque achei que o ano passado, principalmente na fase final, não estava a correr tão bem. Na altura lesionei-me quando podia estar a pontuar, portanto não foi fácil. Mas lá está, este início de ano correu muito bem e agora estou aqui nesta boa posição. Agora é continuar a aproveitar. Tentar ser inteligente com o resto do ano, que é um ano muito longo, mas, de certa maneira, a ambicionar mais e mais.

SENTE-SE FIGURA DE PROA DO TÉNIS PORTUGUÊS?

Felizmente foi uma transição que foi acontecendo na minha cabeça. Na altura já estava a 200 ou algo assim, e o João ainda continuava no topo do ténis português. O Gastão estava ali, taco a taco, comigo em termos de ranking e pude estar com eles nas Davis Cups. Acho que foi algo que foi acontecendo e que foi natural. Do género. Eles ensinaram-me tanto e pude conviver com eles. Foi ótimo para mim para também poder crescer. E depois foi acontecendo. Se fosse assim do dia para a noite, realmente podia custar um bocadinho mais, mas, a meu ver, não foi assim tão de repente e felizmente pude me ir acostumando a essa sensação. E agora, estando à frente, quer dizer, quem sabe tudo pode mudar. O Jaime e Henrique estão a jogar muito bem e prometem imenso, e são muito novos ainda, 21 e 20 anos. E já estão a jogar nos maiores palcos. Portanto, acho que acima de tudo o ténis português está em boas mãos. Temos pelo menos promessas e é alguém aqui no topo a representar isso, que é importante também para dar visibilidade ao desporto que merece.

QUANDO É QUE UM PORTUGUÊS GANHARÁ UM GRAND SLAM?

Para um português ganhar, a viver em Portugal, a treinar em Portugal e a ser formado em Portugal, para ser sincero, acho muito difícil. Não digo que é impossível. Digo só que, se calhar, nesta geração não vai acontecer e espero que os portugueses não estejam à espera disso, como se fosse uma obrigação de todo. Nós, vivendo aqui estas situações, estes Grand Slams, estes países que têm estes grandes torneios, realmente a cultura é diferente, vivem os torneios de maneira diferente. O desporto está de outra maneira evoluído, os meios de comunicação, a atenção, as pessoas a seguir, eu acho que é noutro patamar mesmo. E acho que tudo isso faz o desporto crescer de maneira diferente. Cada vez há mais dedicação, há cada vez mais miúdos a quererem investir e sonhar e quantos mais jogadores estão lá no topo, mais vai haver concorrência tipo: Ele fez isto? Porque é que eu também não posso? E isso conta imenso, imenso. Portanto, nós ter tido os poucos que tivemos no topo ajudou, de certa maneira, que os próximos pudessem ambicionar tanto ou mais e, portanto, eu diria que seria uma coisa que demoraria gerações. Até que o ténis em Portugal pudesse evoluir dessa maneira. Para além de que somos um país mais pequeno, podem ser menos pessoas a possivelmente tentar o circuito. Atenção, eu acho que para aquilo que temos já somos especiais e já fazemos imenso. Mas claro que se me dissessem no futebol eu acreditaria que sim. No ténis ainda não, infelizmente.

Apaixonei-me pelo ténis na épica final de Roland Garros 2001 entre Jennifer Capriati e a Kim Clijsters e nunca mais larguei uma modalidade que sempre me pareceu muito especial. O amor pelo jornalismo e pelo ténis foram crescendo lado a lado. Entrei para o Bola Amarela em 2008, ainda antes de ir para a faculdade, e o site nunca mais saiu da minha vida. Trabalhei no Record e desde 2018 pode também ouvir-me a comentar tudo sobre a bolinha amarela na Sport TV. Já tive a honra de fazer a cobertura 'in loco' de três dos quatro Grand Slams (só me falta a Austrália!), do ATP Masters 1000 de Madrid, das Davis Cup Finals, muitas eliminatórias portuguesas na competição e, claro, de 13 (!) edições do Estoril Open. Estou a ficar velho... Email: josemorgado@bolamarela.pt