Gonçalo Oliveira no Bola Amarela Podcast: “Da Federação não espero nada, nem sequer devem ter o meu número”
Gonçalo Oliveira, número dois português, é o convidado desta semana do Bola Amarela Podcast, que chegou ao seu 108.º episódio. O portuense de 28 anos, vencedor de 92 encontros em 2023, manteve-se fiel a ele mesmo e não deixou nada por responder. Da mágoa por ser muitas vezes ignorado pelos principais responsáveis do ténis em Portugal até às muitas histórias curiosas que tem por contar, a conversa fluiu e foi muito interessante.
ÚLTIMOS MESES DE LOUCOS NO KUWAIT, TAILÂNDIA, AUSTRÁLIA E… VENEZUELA
Eu estou muito habituado a viver dentro do avião. Não é uma coisa nova para mim. Para me qualificar para o Australian Open apostei em ir para aqueles lados [Ásia e Oceania]. As coisas até ficaram resolvidas na Tailândia mas como estava inscrito fui para a Austrália na mesma. Estava muito cansado e acabei por voltar. Fiz uma semana de treino e recuperação com o Fábio Coelho no Algarve e surgiu o convite de jogar na Venezuela e aceitei. É um torneio de exibição mas com um ambiente e organização incrível. Joguei lá a primeira vez em 2021 e na altura convidaram grandes nomes. Desta feita fizeram o mesmo!
QUALIFICADO PARA O AUSTRALIAN OPEN 92 VITÓRIAS DEPOIS
Eu no início do ano acreditava que poderia jogar Austrália 2024. Mas me dissessem que era preciso ganhar 92 encontros. Era mesmo preciso? Talvez perguntasse isso. Não se consegue fazer isso com 50? Como toda a gente. A verdade é que não tive qualquer apoio da Federação [Portuguesa de Ténis] para jogar os Challengers em Portugal. Eu fiz a matemática dos pontos e considerei que era mais ‘certo’ chegar às meias-finais de um ITF 25 mil dólares do que ganhar três encontros num Challenger. E em termos de pontos era semelhante. Comecei o ano muito mal, a 500 e tal e no início do ano defendia pontos de 2022. Tive de ficar mais tempo nos Futures do que aquilo que gostava. Foi esse o caminho que tive de fazer, mas foi bom porque fiz muitos encontros, estou muito rodado, ganhei muita experiência de chegar longe em torneios e habituei-me a chegar longe quase todas as semanas. Num Challenger já não sentirei tanto o desgaste.
É O NÚMERO DOIS NACIONAL MAS MUITAS VEZES ACABA ESQUECIDO
Estou muito tranquilo em relação a isso. Posso ter sido esquecido por duas ou três pessoas, que no fundo representam o ténis em Portugal, mas quando vou a um clube ou quando jogo cá as pessoas têm-me carinho. Há muita gente do meio do ténis que vem ter comigo e elogiam a minha postura, de dizer as verdades e ser sincero. No meu lugar não tenho a facilidade de poder dizer tudo. A Davis não sou eu a decidir, mas sendo sincero, a única coisa que me magoa mesmo é não ter ido aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Tinha ranking para entrar nos pares e caso tivesse ido Portugal acabaria por ter mais um jogador em singulares pois desistiu muita gente e vários dos jogadores que foram apenas para pares acabaram por jogar os singulares. A FPT argumentou que eu não estava elegível por causa da Davis, mas a ITF abriu uma exceção nesse ano e eu poderia ter jogado. Jogar as Olimpíadas ter-me-ia dito muito, porque é a festa do desporto.
ALGUMA VEZ HOUVE ALGUM CONTACTO PARA A DAVIS, ESPECIALMENTE APÓS ESTA GRANDE ÉPOCA
Eu acho que as pessoas que tomam as decisões sobre a Davis nem sequer têm o meu número de telefone gravado. Não espero uma chamada. Se eu jogasse por outros países há muito que teria sido chamado para jogar a Taça Davis. Mas as pessoas que tomam as decisões em Portugal nunca foram mudadas. Estão lá desde o início da minha carreira. Eu estava a número 77 de pares quando ninguém mais estava. Sou o quarto ou quinto melhor português de sempre de pares e nem por isso me chamaram para a seleção. Da Federação não espero qualquer tipo de ajudas nem apoios. Mas uma das coisas que me orgulha é ter conseguido tudo o que consegui este ano sozinho, sem ajuda. Apenas da minha equipa.
CAOS EM SÓFIA E LUXO DO KUWAIT
Este ano tive um torneio em que achei que não conseguia sobreviver à semana, que foi em Sófia, na Bulgária. O que me fez sobreviver foi o facto de ter ficado no melhor hotel da cidade. As linhas estavam tortas dois centímetros, os campos destruídos e com buracos. Acabei por ganhar com torneio, mas fiquei um bocado chocado. Por outro lado, joguei um 15 mil dólares no Kuwait que parecia um ATP. Na Academia do Rafael Nadal. Aquilo é surreal. Há poucos clubes no Mundo que aquelas condições. Um hotel de cinco estrelas conectado com o complexo. Um shopping, um court central incrível. E havia lá vários portugueses, como o Nuno [Marques, diretor da Academia] e foi muito giro.