Carta anónima sobre o escândalo das apostas: «sinto ser um mal necessário» - Bola Amarela Brasil

Carta anónima sobre o escândalo das apostas: «sinto ser um mal necessário»

Por admin - janeiro 20, 2016

Continuam a fazer-se sentir as repercussões do escândalo que eclodiu no mundo do ténis por viciação de resultados, na passada segunda-feira.

Desta feita, o site tenischile.com partilhou esta quarta-feira com os seus seguidores uma suposta carta anónima que dá conta do envolvimento de um tenista do circuito Future no esquema de manipulação de resultados. Confira o texto na íntegra, também publicado nos portais Tênis News e Punto de Break:

“Sou jogador profissional, tenho pontos ATP, já participei em muitos torneios Future e alguns challengers e esta é a minha carta de identificação, não posso dar meu nome nem os dos demais pois esta declaração pode-me deixar de fora do ténis para o resto da minha vida e hoje em dia é a única coisa que tenho, é minha paixão, é aquilo a que dediquei toda a minha vida e não quero ser sancionado.

Tudo começou há alguns anos quando comecei a ter resultados; depois de várias viagens financiadas pelos meus pais que, por esforços económicos, confiaram em mim, consegui os meus primeiros pontos ATP.

Não sou de família abastada e nem me sobra dinheiro para me dar ao luxo de viajar por prazer, faço-o porque confio em mim, nos meus sonhos, confio no meu jogo e sobretudo em minha ‘raça’. Quando comecei a ter resultados e os pontos a aparecerem, uma pessoa apareceu oferecendo-me 1 500 dólares para perder na primeira ronda de um Future com um jogador que, naquele piso e naquele torneio, provavelmente não me derrotaria. Da primeira vez não aceitei, ganhei e avancei, mas a opção de ter aceitado ficou a dar-me voltas à cabeça. Nesse torneio perdi na segunda ronda e o prémio era de 200 dólares, o que com os impostos me fez ficar com muito menos que aqueles 1 500 que me propuseram.

Depois de uma semana cheia de confusões, onde me passou a ideia de aceitar a oferta mais vezes que a imagem da minha primeira raquete, ela reapareceu na semana seguinte e ainda maior; a mesma pessoa ofereceu-me 2 mil dólares, que finalmente aceitei, cheio de dúvidas, nervosismo e medo, e deixei-me perder contra outro jogador que já havia vencido duas vezes. O prize-money do torneio era 117 dólares (sem impostos) pela chegada à primeira ronda, mas fiquei com 2 mil extras no bolso que me deram a tranquilidade emocional de continuar competindo. 

Pela primeira vez na minha carreira podia ligar aos meus pais para lhes contar o que me ia acontecendo e isto sem lhes pedir um dólar que seja. Sentia-me auto-suficiente, jogava com menos pressão, podia ficar num hotel melhor e trouxe-lhes um presente. Sentia que, pela primeira vez, tinha uma saída, uma mão que me ajudaria a cumprir o meu sonho.

Os meses foram passando e meus pais continuavam sem recursos para me ajudar, os patrocinadores não existiam e o prémio dos torneios não me permitia ficar em hotéis, comprar comida, cordas, lavar roupa, arranjar um treinador, suplementos, treinos, nada; para a realidade do ténis atual, os prémios são uma esmola. 

As vendas dos meus encontros passaram a ser mais comuns, e fui-me desprendendo monetariamente dos meus pais. Jogava com medo quando entrava em campo, pois uma vez ou outra via jogadores a serem descobertos e altamente sancionados e temia ser o próximo. 

Meses depois, num Future na Argentina, enfrentei um jogador a quem nunca tinha ganho nem feito sequer três jogos no mesmo set; era o meu rival a vencer, a minha ‘besta negra’, o favorito do torneio e mais de 600 posições à minha frente no ranking. Entrei focado, tanto que ganhei o primeiro set por 6-1 – surpresa para mim e para os poucos que nos foram ver – e quando ganhei por 6-2 no segundo é que me dei conta que não era o único a estar envolvido neste ‘submundo’ chamado apostas.

Hoje em dia, a minha realidade é semelhante: continuo a competir em Futures e challengers, vendendo alguns encontros, mas agora vendo mais frequentemente sets e inclusive alguns jogos e até mesmo duplas-faltas. Não me arrependo, não me dá vergonha nem fico chateado com isso, sinto ser um mal necessário e enquanto as autoridades não melhorarem os prémios nos torneios, eu e todos os próximos a mim continuaremos incorrendo nesta prática para conseguir viver de nossa paixão”.

Recorde-se que, apesar do valor dos prémios monetários atribuídos em torneios do Grand Slam ter vindo a aumentar todos os anos, as queixas têm ido maioritariamente para o valor atribuído aos tenistas que caem nas rondas inaugurais.