Frederico Marques: «O João pode partir raquetes no 'court' desde que se mantenha lúcido» - Bola Amarela Brasil

Frederico Marques: «O João pode partir raquetes no ‘court’ desde que se mantenha lúcido»

Por admin - novembro 13, 2015

ENTREVISTA PARTE II

Toda a gente fala do facto de o João ser muito efusivo no court. Qual é a importância que dás a esse equilíbrio emocional durante o encontro? Sentes que fazes também o papel de psicólogo com ele?

É uma importância máxima. Acho que hoje o treinador tem de ser o mais completo possível. Tem de saber de nutrição, de hidratação, as horas que tem de descansar, as horas de fisioterapia, o que há que tomar em alguma situação. Fazer de psicólogo. Hoje em dia, os treinadores já são um bocadinho assim. O ténis está a evoluir, os treinadores também. Nos primeiros 10 do mundo vão cinco ou seis pessoas atrás… nutricionista, médico, psicólogo. Com o João não pode ser, por isso eu tento ajudar para ele ser ainda melhor, mais completo, mas para isso eu também tenho de ser melhor. Tento ajudar ao máximo na parte mental, que ele seja uma pessoa mais estável.

E como é que essa ajuda se reflete no court?

Bem, se ele é uma pessoa efusiva ou não, se dá mais ou menos gritos, isso a mim não me preocupa muito. O João pode partir uma raquete, pode gritar, pode fazer isso tudo, mas o importante para mim é que ele o faça, relaxe e logo no ponto a seguir esteja lúcido até ao final do encontro. Há jogadores a partirem raquetes e a ganharem encontros e torneios. Nem toda a gente pode ser incrivelmente estável e controlar todas as situações. O mais importante é que estejam lúcidos, que possam olhar para o treinador e que possam pensar se estão a jogar bem. Se não estiverem a jogar bem, tem de se mudar a tática, e isso é o mais importante. Se o jogador descarregar, mas depois se relaxar e voltar a estar lúcido não há problema algum.

Preparação psicólogica que também vai ser trabalhada na pré-temporada, assim como toda a preparação física necessária. Como é que vai ser esta pré-época com o Rafael Nadal, já  em dezembro, durante uma semana?

O ano passado acabei por ir a Monte Carlo, estar com outro grupo, com o Djokovic, Seppi, Raonic, Troicki. Era um grupo um bocadinho mais competitivo e queria que o João estivesse assim, em termos de sets, porque sempre lhe custou um bocadinho os inícios de temporada e os primeiros torneios do ano. Portanto decidi fazer uma pré-temporada com mais sets, menos carga técnica e tática, e com mais situações de jogo para ele entrar com mais ritmo.

As coisas correram bem este ano, fez terceira ronda no Open da Austrália, mas hoje em dia temos um João muito mais estável, seguro e experiente. Tem mais finais, é número 33 do mundo, por isso optei por uma pré-temporada a trabalhar alguns aspetos técnico-táticos, que ainda estão a faltar para entrar nos primeiros 30 e fazer ainda um ano mais estável, tentando ganhar a jogadores ainda mais de top. Na temporada de 2016 é para atacar os 500 e os 1000, jogar mais nesses torneios, portanto é preciso ganhar a jogadores mais de top 20, um ou outro top 10, em alguma situação, porque é preciso ganhar a esses jogadores se quiser chegar às meias-finais ou terceiras rondas de torneios 500 e 1000.

Mas porquê Rafael Nadal e não outro jogador qualquer do top 10 mundial?

Se falamos em trabalhar, trabalho é Rafael Nadal. É uma pessoa que trabalha muitas horas, com muita intensidade, com muito crer e é uma pessoa que trabalha muito a técnica. Por muito que se calhar não pareça, tem uma técnica um bocadinho diferente, mecanicamente, mas tem os resultados que podemos ver. Tenho uma excelente relação com o Rafael Nadal, com o fisioterapeuta dele, também com a nutricionista… e o João também. Já os conhecemos há vários anos. Eu falei com o Toni Nadal e chegámos à conclusão de que podemos fazer um excelente trabalho. As duas equipas ali. Vamos treinar todos os dias, no ginásio, com a máxima intensidade, fazer as coisas para melhorar em 2016. Eu vou aproveitar para falar com o Toni, com a equipa dele, certamente que eles também vão falar connosco e vamos tentar fazer uma coisa que nos ajude uns aos outros.

Uma temporada de 2016 em que vão contar também com o preparador físico Carlos Costa, que tanto vos ajudou durante a semana em Valência. Sempre vão estar juntos 10 semanas?

O Carlos ainda está a viajar várias semanas com o Tommy Haas. Neste caso, o Carlos acompanha o Tommy Haas. Ajuda o João em algumas semanas em que está disponível, como ajuda também nas semanas da Taça Davis.

Mas o Carlos Costa vai deixar de trabalhar com o Tommy Haas?

Neste momento, o Tommy Haas é um jogador que vai jogar até Wimbledon. Tem alguns problemas no ombro, foi operado, ainda tem algumas dúvidas, dores. O Carlos tem de estar com ele. Nós gostaríamos de estar com o Carlos 10 semanas, no próximo ano. Já lhe comunicámos isso e estamos a combinar, temos de ver o calendário. Estamos muito contentes com o trabalho do Carlos, ajudou muito o João. Existe um porquê de um jogador do top 10 viajar sempre com fisioterapeuta, as coisas são como são. Existe uma recuperação diária, uma prevenção de lesões, descargas musculares, ganha-se agilidade, confiança e isso ajuda. O ténis, a nível físico, hoje em dia, é muito importante. Ficamos muito mais fortes. Eu ajudo o João tecnicamente, taticamente e mentalmente. O Carlos ajuda-o fisicamente de uma maneira extraordinária, com a experiência que tem. E o João é uma pessoa inteligente, com um talento enorme, um coração gigante e, por isso, juntando os três acho que é sucesso garantido.

Há pouco falámos do Rafael Nadal e da sua equipa. Já tens trabalhado com eles a tua participação na Maratona das Areias, em abril.

Tenho estado a trabalhar durante alguns meses, costumo ter os meus objetivos profissionais em relação ao João, mas gosto de ter as minhas próprias metas. Sou assim na minha vida. Ajuda-me para aprender algumas coisas, como o cansaço extremo, a hidratação, o descanso, saber o que são três horas de competição seguidas, algumas sequelas que faço nas corridas, lesões que tenho, sensações musculares que tenho e que o João por vezes também tem. Assim posso dizer-lhe como faço, ‘pus gelo, não pus’, ‘toma isto antes de uma prova por causa da ansiedade’.

Mas sim, estou a trabalhar com a nutricionista do Nadal, com o fisioterapeuta também e com uma equipa de Maiorca que me está a preparar para a Maratona das Areias. Há algumas coisas que também vou aprendendo e incutindo ao João. As coisas têm vindo a funcionar e o João tem estado a gostar.

Esta é uma prova duríssima. Explica-nos como vai ser.

É uma prova de sobrevivência, em que vou ter de ir sozinho, com uma mochila, com toda a comida, para a semana toda. Por isso, é solidão máxima. Claro que vou conhecer pessoas, vou um bocadinho também para conhecer pessoas de todos os sítios do mundo, que estão dispostas a sofrer e com coragem para fazer aquela aventura. Dizem que ficam amigos para a vida, porque há que partilhar comida, de ajudar a tratar dos pés, das bolhas, das coisas que podem acontecer. Mas sim, é uma semana minha, sozinho, por vezes isto ajuda-me e ajuda o João. Quando vou correr duas ou três horas penso na direita, na esquerda, no serviço, como é que vai ser amanhã o adversário. Ainda agora, antes de Valência, fui correr duas horas e meia antes do encontro para pensar como é que vai ser, como é que responde, se faz slices, quando utiliza e muitas vezes chego ao pequeno almoço já com a tática delineada.

Desta vez não vais ter o apoio do teu grande amigo André Júdice, que sempre te acompanhou nestas provas e nos disse que correu os últimos 60 km contigo na última prova, no Canadá. Qual é, para ti, a importância de ter um apoio em eventos desta dimensão?

O apoio é muito importante naquelas condições em que eu estava, no terceiro dia, já com febre alta e uma inflamação no corpo. Foram três dias, com o corpo completamente inflamado, o estômago fechou e já não conseguia comer. Mas o crer e o meu objetivo eram enormes. É o que eu também tento transmitir ao João. Se realmente queremos, se cremos, é preciso ter aquele objetivo e chegar lá. Foi o que eu disse ao João em relação ao ranking dele, ao prize money, aos títulos. Se é uma coisa de que gostas vai ser uma questão de tempo.

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Ter o meu amigo ao lado naquele momento acho que foi uma coisa muito bonita, porque já o conheço desde pequenino. Mas mais do que o ter ao lado foi a alegria dele e que tem hoje em dia. Das coisas mais bonitas que fiz até hoje foi ter ajudado a sentir esta paixão que ele tem hoje em dia pelas corridas. Fez a sua primeira maratona há menos de um mês e a felicidade dele quando cruzou a meta e quando acaba de correr nos treinos é especial. E pronto, mostrei-lhe que se podem cumprir objetivos. Ele agradece-me todos os dias, porque diz que mudei a vida dele, com a primeira vez em que eu o levei a um Ironman e viu aquelas pessoas todas a sofrer. Hoje em dia é uma pessoa mais contente, que se sente melhor. Fisicamente sente-se melhor, tem uma alimentação saudável, dorme mais horas. Mudou. Fico contente por isso, vejo-o mais ativo, mais ambicioso mesmo no trabalho dele na universidade, vejo-o diferente e ajudar um amigo dessa maneira acho espetacular, foi das coisas mais bonitas que fiz na vida.

Depois de participares na Maratona das Areias, daqui a alguns meses, há mais alguma coisa que queiras superar?

Eu tento superar-me a mim próprio. Estas provas que eu faço não é para superar as provas, é para superar os medos. Toda a gente tem medos e temos de falar nisso. Se eu sou uma pessoa que tenho mais medos, ou que chore, deve-se falar disso e eu sou uma pessoa realista e frontal e não tenho problema nenhum em dizer isto. Tento eliminar esses medos todos os dias. Se alguma coisa não está bem ou não estou contente com um amigo, se há algum problema, falo diretamente com ele. Se tenho medo de nadar, vou fazer um Ironman de 3,5 km. Todas as provas que fiz podia ter chegado com melhor preparação. O máximo que tinha feito foi Lisboa-Évora. Gosto é de chegar àquele dia e sentir aquele medo: será que consigo? Adoro o desafio e quando o conseguimos superar é melhor ainda, é uma barreira que se ultrapassa. Tinha medo de nadar, era um medo que eu tinha, e perdi-o.

Suponhamos que já estamos em novembro de 2016. Quais os objetivos que já querias ver cumpridos?

Gostava, em primeiro lugar, que Portugal tivesse subido de Grupo na Taça Davis. Gosto muito da seleção, sempre tive esse carinho por ela, portanto faço questão de ir buscar a bandeira. A minha maneira de trabalhar passa muito pela visualização, com muito crer. Visualizei muito o João a voltar a estar com a taça e com o símbolo no chão, que normalmente é característico nos torneios, como aconteceu em Kuala Lumpur. Eu, o João, a bandeira e o troféu. A bandeira está sempre presente, Portugal está sempre presente. Nós estamos lá fora, mas adoro Portugal, estou sempre disposto a ajudar e um dos nossos objetivos era que a equipa conseguisse subir de grupo.

Tem boas possibilidades, uma equipa técnica fantástica, porque é possível fazer e sonhar com isso. Gostava que o João também estivesse competitivo e com algumas vitórias nos Jogos Olímpicos, o João na elite mundial, estar nos primeiros 30 do mundo, conseguir estabilizar. Tê-lo competitivo, mais ainda nos ATP, se o João acabar a 35 do mundo, mas se tiver feito meias-finais ou finais de um 500, terceiras rondas de 1000 e nenhuma final de 250, eu assino. É outro passo em relação ao nível. Com melhores percentagens, com melhor serviço. Um título, sim, é bonito, mas o que eu quero é um João melhor todos os anos.

Qual o título mais especial? Kuala Lumpur ou Valência?

Para mim foi Valência, não por ser o título mais recente, mas foram várias finais perdidas. Também muito devido ao desgaste que o João sofreu nas meias-finais. Este torneio foi muito completo e foi uma vitória muito complicada na final. Contra um espanhol, a jogar em casa, público contra, alguma pressão nos árbitros, nos juízes de linha, com a família do João a ver, amigos e na segunda casa do João, Espanha. Acho que é incrível a maneira como ele conseguiu enfrentar isso. É fantástico e a forma como eu festejei foi um bocadinho diferente do que em Kuala Lumpur. Já eram várias finais, muito trabalho, várias horas sem dormir, várias horas tristes, a chorar… mas chegou o momento.

Não leu a primeira parte da entrevista? Espreite aqui.

Entrevista – Frederico MarquesOs bastidores da nossa conversa com Frederico Marques! Primeira parte da entrevista mais logo.

Publicado por Bola Amarela em Quinta-feira, 12 de Novembro de 2015