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Andre Agassi: «O ténis deu-me muito, mas também me tirou. Penso que estamos quites agora»
Numa entrevista profunda ao jornal britânico The Guardian, o vencedor de oito títulos do Grand Slam, Andre Agassi, não se coibiu de comentar a sua vida no ténis, mesmo os momentos mais polémicos, como a queda após ser número 1 em 1996 ou a sua relação nem sempre fácil com o desporto que abraçou. Agassi analisou também o atual panorama do circuito masculino, com os recentes regressos em grande de Federer e Nadal e o início de época menos bem conseguido de Murray e Djokovic.
“Parece interessante, mas logo que começas a bater as primeiras bolas, lembras-te daquilo que podes fazer, mas sobretudo do que não podes”, refere o ex-número 1 mundial, quando questionado se ainda costuma jogar ténis com a sua companheira, Steffi Graf, em Vegas. “Eu apenas agradeço a Deus ter jogado o suficiente para desfrutar tão bons momentos. O ténis deu-me muito, mas também me tirou. Penso que estamos quites agora.”
É num tom algo informal e descontraído, com aquilo que foi a sua carreira profissional no ténis, que Agassi aborda as várias questões acerca do seu percurso. Uma das mais marcantes prende-se com a revelação, na sua autobiografia, acerca da relação com o pai enquanto jovem. “O meu pai grita sempre a dobrar, às vezes três vezes, outras dez. Mais forte, diz ele. Andre, atenção, bate mais cedo a bola. Não é suficiente bater tudo que o Dragon lança: o meu pai queria que eu batesse sempre mais forte e mais rápido. Ele queria que eu batesse o próprio Dragon.”
Agassi tinha na altura sete anos e o Dragon era uma máquina de bolas que o seu pai havia aperfeiçoado. Tanto que o tetracampeão do Open da Asutrália refere que sofreu muito com ela. “Nada irritava mais o meu pai que bater uma bola na rede.”
Contudo, Agassi não esconde que muita da abnegação que o seu pai colocava no seu treino o ajudou a enfrentar alguns momentos mais complicados, como a queda que viveu na sua carreira. “O problema no meu declínio foi que aconteceu durante o meu sucesso. Apesar de ser bom, eu tive um profundo ressentimento e cheguei mesmo a odiar o ténis. Esse «desligar» depois de ser número 1 foi ainda pior porque acreditas que ser o melhor ajuda a preencher esse vazio. Mas eu não sentia nada.”
“Mas aí, eu cheguei a um ponto onde percebi que apenas porque não escolhi a minha vida, isso não significava que não podia controlá-la. Essa é a verdadeira revelação, mas elas por si só não mudam a tua vida. É o que tu fazes com elas que muda. E aí vi que era um privilegiado porque via crianças que não tinham tido a sorte que eu tive.” Este acaba por ser o ponto de viragem na sua carreira, já que a partir daí Agassi considera que tudo na sua vida começou a fazer sentido.
“Desde que me foquei no quão sortudo era por ter tido a educação certa, porque sem ela não há esperança, não há escolhas, não há forma de dar a volta a situações negativas, o ténis voltou a ser um veículo para mim.” O ex-tenista norte-americano complementa esta ideia salientado que a vivência de tentar ser número 1 outra vez acabou por ser bastante enriquecedora, pela dificuldade que isso envolvia, muito maior do que da primeira vez, na sua opinião.
Talvez por ter passado por experiências tão diversas na sua carreira e pelo impacto que o seu pai teve na mesma, Agassi vê-se agora envolvido no mundo da educação. “Por vezes quando te vês em baixo e consegues voltar, sentes que tens que retribuir mais à sociedade.” Mas o americano vai mais longe para justificar esta sua escolha com aquilo que o seu pai não o deixou ser. “Sim, mas o meu pai é a razão pela qual estou no ramo da educação agora. O facto de não ter podido escolher o meu futuro teve um grande impacto. Penso sempre: o que teria feito se pudesse ter escolhido? Mas não tenho grandes arrependimentos.”
Não há dúvidas que o caminho que Agassi acabou por seguir levaram-no mais tarde a ter um grande impacto no mundo da educação. Ele abriu a sua primeira fundação para a educação de crianças desfavorecidas em Las Vegas com apenas 24 anos. Mais tarde, em 2001, fundou uma escola que se tornaria um modelo educacional em Clark County. Segundo estimativas do próprio, Agassi salienta que já tem cerca de 1200 crianças apenas na escola da sua fundação, ajudando de outras formas cerca de 38000 a nível nacional.
Mudando um pouco o foco da entrevista, como vê Agassi o circuito masculino atualmente? Nomeadamente os regressos de Roger Federer e Rafael Nadal. “Não acredito que haja alguém que goste de ténis que não tenha visto a final do Open da Austrália. Tentei ser o mais neutro possível, mas não escondo que ver Roger ganhar um major com esta idade é especial.” No entanto o norte-americano não esquece Rafa. “Nadal ultrapassou tantas adversidades, com tanta gente a «acabar» com a sua carreira. No entanto, a dimensão física que ele colocou no seu jogo, vai impedi-lo de regressar ao nível do passado.”
Já acerca de Andy Murray e Novak Djokovic, o ex-número 1 mundial tem visões diferentes. “Andy tem qualidades que o podem fazer imbatível. Mas ele é tão atlético que se fia um pouco nisso para se impor, mesmo quando não precisa. Isso fá-lo gastar energias sem necessidade. Se ele aperfeiçoar esse aspeto, seria mais assertivo e ajudá-lo-ia no longo-prazo. Acredito que o Andy se sentiria extremamente desapontado se não ganhar mais um ou dois Grand Slam. Mas não há dúvida que os pode ganhar.”
Em relação ao sérvio, Agassi acredita que a recente queda se deve mais a fatores psicológicos do que propriamente a físicos. “Seria óbvio se fosse apenas uma questão física. Tem que ser algo emocional, mental, algo que só a equipa saiba. Mas ele é demasiado bom para não encontrar uma solução. Ele vai reencontrar-se de certeza, dado o seu historial.”
Questionado acerca de um hipotético futuro como treinador, o norte-americano aponta alguns nomes, mas não acredita que o seu futuro passe por aí. “Para mim há um défice entre o que Isner, Monfils e Kyrgios fazem e o seu verdadeiro potencial. Seria interessante, mas se eles não querem dar o passo em frente, seria penoso para mim treiná-los. Eu pagaria para vê-los jogar, agora dizer que os treinaria, isso é outra coisa.”
No entanto, após insistência Agassi lá deixou escapar que trabalhar com Kyrgios seria fascinante, mas que de momento isso seria impossível, dado o tempo que tem que dedicar aos seus filhos. “Eu não faria porque não seria capaz de o fazer da maneira que gostaria.”
Por fim, em jeito de balanço, o vencedor de oito títulos do Grand Slam, desvenda que com o tempo foi aprendendo a gostar um pouco mais de ténis. No entanto, nunca diz que é um desporto que o fascina, tem apenas uma profunda admiração.
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