É demasiado fácil (e muito ingrato) 'bater' em João Sousa

É demasiado fácil (e muito ingrato) ‘bater’ em João Sousa

Por José Morgado - fevereiro 9, 2020
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É um (triste) clássico. A cada derrota de João Sousa, a caixa de comentários dos posts do Facebook do Bola Amarela enche-se de mensagens pouco simpáticas. Uns contam as derrotas, outros pedem-lhe que se retire (imagine-se…) e uns quantos ‘trolls’ são apenas e só isso… trolls. Nem sempre se deve ler tudo o que se escreve e sei — porque já lhe perguntei — que o João pouco ou nada liga a isso, mas não deixa de ser triste que o melhor tenista português de todos os tempos tenha também de ser aquele que carrega às costas todas as frustrações de certas e determinadas pessoas, que desejando (calculo eu) ter em Portugal um tenista de outra craveira, têm pouca ou nenhuma noção da dificuldade que é fazer aquilo que João Sousa tem feito.

João Sousa tem 30 anos e é o único tenista português da história a alguma vez ter vencido um torneio ATP em singulares. Na verdade, já ganhou três. Em continentes e superfícies diferentes. Tem 11 (!) finais no principal circuito masculino, 33 quartos-de-final (mais do dobro do resto de todos os jogadores portugueses da história… juntos) e está no top 100 de forma incessante há quase sete anos. É também o único tenista português a ter entrado no top 30, 40 ou 50 do ranking ATP. O único a ter chegado aos ‘oitavos’ de um Major — duas vezes — e o único a ter chegado à final de um Masters 1000 em pares. Se tudo correr bem, será também o primeiro a competir em dois Jogos Olímpicos diferentes desde Bernardo Mota e Emanuel Couto (Barcelona, Atlanta e Sydney). Mas ‘nós’, aqui deste lado, sentimo-nos capacitados para continuar a cobrar. Há até quem se sinta ofendido pelo vimaranense promover os seus novos (e renovados) patrocínios. Aqueles que ele conseguiu às custas do seu trabalho diário depois de muitos anos a dar despesas aos seus pais.

Na semana que passou, a seleção feminina de Portugal desceu ao Grupo 3 da Fed Cup — uma espécie de quarta divisão mundial — pela terceira vez na história, primeira desde 2005. A boa notícia? Não é possível descer mais. Neuza Silva — que no seu tempo de jogadora competiu algumas vezes no Grupo 1 — pegou nesta seleção duas divisões acima, mas não tem tido vida fácil. Michelle Larcher de Brito e Maria João Koehler, as duas melhores tenista lusas de sempre, retiraram-se quase em simultâneo e deixaram um vazio que vai sendo preenchido aos poucos por um grupo de jovens ainda com pouca experiência internacional, como as irmãs Francisca e Matilde Jorge e a maiata Maria Inês Fonte. Só os anos poderão dizer que nível elas vão atingir.

https:\/\/bolamarela.pt//bolamarela.pt//bolamarela.pt/fed-cup-portugal-perde-com-israel-e-desce-ao-grupo-3-pela-1-a-vez-desde-2005/

No ténis masculino, o cenário também não é pujante, como comprovam as prestações recentes na Taça Davis. Portugal tem conseguido colocar cada vez mais jogadores dentro do top 300, 400, 500 — muito por conta do esforço de Federação e parceiros que ao longo dos últimos anos aumentaram exponencialmente o número de provas internacionais (e por consequência de oportunidade de ganhar pontos para os nossos jogadores sem terem de incorrer  em grandes despesas), mas não tem sido fácil que nenhum deles dê o salto para um patamar de top 100 sólido. Gastão Elias passou por lá uns meses. Pedro Sousa umas semanas. E isso só ajuda a valorizar o trabalho de João Sousa, aquele que continua a levar pancada dos heróis das redes sociais.

O ténis português tem muitos problemas e o maior é mesmo a falta de cultura desportiva de um país que (quase) só quer saber de futebol. E não é nada contra o futebol, modalidade que adoro e vejo desde pequeno. Mas nenhuma criança em Portugal cresce com o sonho de ser profissional de ténis, ou de andebol ou de voleibol. Todos querem ser futebolistas. Está no sangue e demora décadas a ser mudado. Isso ou o aparecimento de uma super estrela na modalidade que, a menos que caia do céu, será difícil de produzir como se nada fosse. E também não me venham com a história de que a culpa é da comunicação social. Trabalhei sete anos na redação de um dos maiores jornais desportivos portugueses e aqueles que se queixam de que as modalidades não aparecem nas primeiras páginas dos jornais são os mesmos que não compram um único jornal desportivo há anos e não sabem sequer se se escreve muito, pouco, bem ou mal de outros  desportos em Portugal…

Até lá, os tenistas portugueses vão continuar a lutar todas as semanas por fazerem os melhores resultados possíveis para as suas carreiras, com a garantia de que as coisas nem sempre vão correr bem e sabendo que muitas vezes vão ter de assumir que não foram tão competentes quanto desejariam Como nós, nos nossos empregos. As entidades, essas, também não se devem demitir das suas responsabilidades. Muito já tem sido feito. Mas é possível fazer muito melhor. Os meios são incomparavelmente mais escassos do que aqueles que outras modalidades têm, mas também são muito mais abundantes do que aqueles que em tempos o ténis já teve. Há que trabalhar…

Apaixonei-me pelo ténis na épica final de Roland Garros 2001 entre Jennifer Capriati e a Kim Clijsters e nunca mais larguei uma modalidade que sempre me pareceu muito especial. O amor pelo jornalismo e pelo ténis foram crescendo lado a lado. Entrei para o Bola Amarela em 2008, ainda antes de ir para a faculdade, e o site nunca mais saiu da minha vida. Trabalhei no Record e desde 2018 pode também ouvir-me a comentar tudo sobre a bolinha amarela na Sport TV. Já tive a honra de fazer a cobertura 'in loco' de três dos quatro Grand Slams (só me falta a Austrália!), do ATP Masters 1000 de Madrid, das Davis Cup Finals, muitas eliminatórias portuguesas na competição e, claro, de 13 (!) edições do Estoril Open. Estou a ficar velho... Email: josemorgado@bolamarela.pt