Schwartzman emociona com carta de despedida: "Ninguém me deu nada, eu mereci isso"

Schwartzman emociona com carta de despedida: “Ninguém me deu nada, eu mereci isso”

Por Pedro Gonçalo Pinto - fevereiro 12, 2025
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Aos 32 anos, Diego Schwartzman disputa, nesta quarta-feira (12), aquele que pode ser o último jogo de uma bela carreira. Com a superação marcando todo o percurso desse pequeno grande argentino, o próprio “El Peque” escreveu um texto de despedida. Muito longo, mas que vale a pena ler do início ao fim.

LEIA A CARTA NA ÍNTEGRA

No mês passado, estava de férias no Uruguai com minha família quando encontrei um francês de 22 ou 23 anos. Ele me disse: “Lembro daquela vez em que você estava jogando contra o Rafa em Roland Garros e começou a chover!”. Nas quartas de final de 2018, eu tinha um set e uma quebra de vantagem contra o Rafa quando o tempo nos fez voltar no dia seguinte. O Rafa venceu a partida e o torneio. Perdi sete vezes na segunda semana de Grand Slams contra Rafa ou Nole. Estava jogando tão bem… Se não os tivesse à minha frente, acho que poderia ter ido mais longe nesses torneios. Mas estou orgulhoso porque nunca caí sem lutar contra essas lendas, e é bom saber que os fãs ainda se lembram.

Não competi em um torneio desde o US Open e pude fazer coisas como snowboard com minha família e até jogar um pouco de padel. Às vezes, encontro fãs que me dizem coisas bonitas, me dão abraços e tudo mais. Tem sido especial. Nesta semana, me aposento em Buenos Aires. Embora tenha sido um pouco triste assistir ao tênis ultimamente sabendo que este momento estava chegando, foi de uma forma positiva. Tenho memórias fantásticas para recordar e conquistas para celebrar. Tive a oportunidade de realizar muitos sonhos e ir além do que as pessoas pensavam ser possível para mim. Tenho um corpo pequeno que deu trabalho aos melhores jogadores da história.

O começo do fim da minha carreira foi em Hamburgo, em 2022. Perdi uma partida equilibrada na primeira rodada, mas algo não estava certo. Meu corpo não respondia como antes. Estava sentindo emoções durante o jogo, mas não eram boas. Minhas mãos tremiam um pouco, estava sofrendo com irritação e cãibras. Pensei que era só cansaço e que precisava descansar. Dois minutos depois de sair da quadra, sentei-me com meu treinador, Juan Ignacio Chela. Ele me perguntou várias coisas sobre o meu corpo, sobre o que senti na quadra e sobre o jogo. Era uma sensação diferente. Mas, às vezes, isso acontece com jogadores de tênis. Durante algumas semanas, seu tênis, sua mente e tudo o mais não funcionam. Você vai para casa, descansa, se recupera e isso ajuda. Mas, dessa vez, foi diferente. Nunca mais foi o mesmo.

No fim de 2022, pensei que estava melhorando. Fiz uma boa pré-temporada e estava animado para o novo ano. Mas, na temporada de saibro, percebi que o fim estava próximo. Depois de competir na Austrália e na América do Sul, eu havia vencido apenas uma partida. A sensação de Hamburgo voltou. As cãibras estavam lá, meu corpo não cooperava. Eu não conseguia responder. Estava sofrendo e não desfrutava mais do processo. Para competir no mais alto nível, é preciso treinar e fazer tudo com intensidade. Então, foi muito difícil. Troquei meu fisioterapeuta e meus treinadores, pensando que era hora de mudar algo, ouvir novas vozes e tentar novas abordagens. Essa não foi a decisão certa. O problema era eu. Mais ninguém.

O que fiz durante anos me ajudou a conquistar muito no nosso esporte. No US Open de 2017, fui cabeça de chave em um Grand Slam pela primeira vez e cheguei às quartas de final. Olhando para trás, tive uma grande oportunidade de chegar às semifinais contra Pablo Carreño Busta. Foi quando minha carreira atingiu outro nível. Depois desse momento, entendi como meu corpo se sentiria depois de cinco sets, como seria jogar a segunda semana de um Major. No ano seguinte, entrei no top 20 pela primeira vez. Em 2020, cheguei às semifinais de Roland Garros, alcancei a oitava posição do ranking e disputei as ATP Finals. Em março, conquistei meu quarto e último título em casa, em Buenos Aires. Foi um momento mágico para um garoto da Argentina.

Durante esse tempo, aprendi que, para ter sucesso, é preciso muito. Há tantos fatores importantes: treino, nutrição, mentalidade, ter as pessoas certas ao seu redor e confiar nas suas capacidades e preparação. Dei tudo de mim. Meu tênis não era só sobre forehands e backhands. Às vezes, entrava na quadra pensando em como poderia desgastar meu adversário. É quase engraçado que, no fim, o tênis me desgastou, e é por isso que este é o fim. Mas está tudo bem. Estou feliz. Se dissessem a um Diego mais jovem que eu conseguiria tudo o que consegui, minha resposta seria simples: “Impossível”.

Crescer não foi fácil financeiramente para minha família. Eu viajava com minha mãe, o hotel nunca tinha TV e, na maioria dos torneios, dividíamos a cama. Uma vez, ficamos em um lugar qualquer porque o quarto custava dois pesos por noite. Tentávamos conseguir dinheiro para que eu pudesse viajar. Até vendíamos pulseiras de borracha do ex-negócio da minha família para pagar essas viagens. Eu corria pelos torneios vendendo-as. Outros garotos também vendiam, e dávamos uma parte do lucro. Então, como cheguei tão longe? Não faço ideia.

Sei que fui um jogador muito bom e percebo isso quando treino. Tive quatro ou cinco anos no mais alto nível, mas, para ser honesto, nunca imaginei que chegaria lá. Algo que muitas pessoas falavam era sobre minha altura: 1,70m. Não gostei disso durante minha carreira porque, muitas vezes, quando estava jogando, todos me perguntavam como eu tinha conseguido e como ganharia a próxima partida. Era sempre sobre meu peso, minha altura e meu corpo pequeno. Ninguém no topo tem essa altura, é verdade. Quase ninguém no top 100 tem minha estatura. Não posso mentir, foi difícil.

Tive que trabalhar muito fora da quadra para que meus adversários não sentissem que eu tinha menos potência ou que minha movimentação era limitada. Sei que a altura é muito importante no tênis. Mas mais de 50% da maneira como se ganha partidas vem do que se faz fora da quadra.

Gosto muito quando as pessoas me dizem: “Você foi um lutador, mas também um grande jogador de tênis”. Se você for apenas um lutador, não estará no topo do esporte. É preciso jogar bem. Ter um bom forehand, um bom saque e boa movimentação. Ser simplesmente um guerreiro não te leva ao topo.

Cheguei lá porque fui bom neste esporte. Ninguém me deu nada. Eu mereci isso. Quando era jovem, não esperava alcançar o que alcancei. Mas, ao longo da minha carreira, eu pertenci.

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O ténis entrou na minha vida no momento em que comecei a jogar aos 7 anos. E a ligação com o jornalismo chegou no momento em que, ainda no primeiro ano de faculdade, me juntei ao Bola Amarela. O caminho seguiu com quase nove anos no Jornal Record, com o qual continuo a colaborar mesmo depois de sair no início de 2022, num percurso que teve um Mundial de futebol e vários Europeus. Um ano antes, deu-se o regresso ao Bola Amarela, sendo que sou comentador - de ténis, claro está - na Sport TV desde 2016. Jornalismo e ténis. Sempre juntos. Email: pedropinto@bolamarela.pt