Mónica Seles: a 'mágica' que viu o futuro perdido no fio da navalha

Mónica Seles: a ‘mágica’ que viu o futuro perdido no fio da navalha

Por Tiago Ferraz - julho 26, 2020
Mónica-seles
.

O Bola Amarela continua a dar destaque às figuras que fizeram do ténis aquilo que a modalidade é nos dias de hoje e, nesse sentido, vamos falar de uma das melhores tenistas de sempre: Mónica Seles.

Mónica Seles nasceu a 2 de dezembro de 1973, na Sérvia, e desde cedo mostrou ao mundo que não chegou ao circuito para ser apenas mais uma tenista ‘comum’. Treinada pelo seu pai Karolj, Seles tinha muito talento, mas não era o ténis que preenchia o seu coração: Mónica Seles gostava muito de equitação, basquetebol, de tocar guitarra e muito mais, mas a ‘bola amarela’ surgiu na sua vida e não mais saiu.

No primeiro ano no circuito profissional, Mónica Seles teve logo motivos para festejar ao vencer o WTA de Houston, em 1989, o que acabou por ser um triunfo que deixava ‘água na boca’ para os anos que se seguiram.

Em 1990, apenas um ano depois do primeiro título, Mónica Seles fez história ao conquistar o torneio de Roland Garros com apenas 16 anos ao surpreender a primeira cabeça-de-série (e mais tarde rival) Steffi Graf, em três partidas, naquela que foi a sua primeira grande conquista de uma carreira que dava os primeiros passos, mas que já se sabia que o (enorme) talento que a jovem possuía poderia levar Mónica Seles a voar bem alto. Este feito fez com que Mónica Seles fosse, na época, a tenista mais jovem de sempre a vencer o major francês. Neste mesmo ano, Seles venceu ainda os torneios de Miami, Tampa, Roma, Berlim, Los Angeles e Auckland.

Em 1991, Mónica Seles estava num momento de forma, simplesmente, fabuloso e conseguiu vencer mais três torneios do Grand Slam: o Australian Open, o US Open sendo que repetiu o sucesso do ano anterior em França e encetou esforços para alcançar nova vitória em Roland Garros para somar quatro majors em apenas três anos como tenista profissional num registo que deixou todas as pessoas que acompanhavam a modalidade na época com a sensação de que Mónica Seles caminhava a passos largos para se tornar numa das melhores tenistas da sua geração e, talvez, na melhor de todos os tempos. Para além destes três títulos em Grand Slams no ano de 1991, Seles venceu ainda os torneios de Miami, Filadélfia, Milão, Tóquio, Houston e ainda o WTA Tour championships (equivalente às WTA finals) pela segunda vez na carreira (um torneio que já tinha vencido em 1990 para se tornar, na época, na mais jovem tenista de sempre a conquistar o troféu quando tinha apenas 16 anos e 11 meses depois de bater Gabriela Sabatini).

No ano seguinte, nova temporada de sonho: Mónica Seles conseguiu voltar a vencer mais três torneios do Grand Slam e, curiosamente, foram, exatamente, os mesmos de 1991: o Australian Open, Roland Garros e o US Open.  Nesse sentido, Mónica Seles chegava aos 18 anos com sete títulos ‘major’ já no bolso numa escalada impressionante até ao sucesso. O oitavo título do Grand Slam não ia demorar muito mais tempo a chegar, uma vez que, em 1993, Mónica Seles voltou a ser ‘rainha’ no país dos cangurus ao vencer o seu terceiro Australian Open da carreira e o oitavo (!) título em torneios do Grand Slam com apenas 19 (!) anos. Que maravilha!

Em 1992, Mónica Seles ainda esteve presente na final do torneio de Wimbledon (único ‘major’ que não venceu), mas foi derrotada por Steffi Graf num encontro que teve a particularidade de Seles ter sido “amassada” por Graf e pelos órgãos de comunicação social devido aos seus gritos.

 

Com tantos triunfos era evidente que o domínio da alemã Steffi Graf estava em perigo de ruir e, quando parecia estar ‘desenhado’ o caminho triunfal que ameaçava tornar Mónica Seles, porventura, na melhor tenista de todos os tempos, eis que o impensável aconteceu: em abril deste mesmo ano, Mónica Seles, que era já número um mundial na época, estava a jogar o torneio de Hamburgo onde decidia quem passava às meias-finais da prova com a búlgara Magdalena Maleeva quando foi esfaqueada num episódio que chocou o mundo do ténis: a então ‘menina prodígio’ da modalidade estava a vencer o encontro já com um set de vantagem e estava ‘a caminho’ do ‘top four’ da prova quando, numa altura em que se sentou na cadeira durante uma ‘troca de lados’, foi esfaqueada em pleno court por um adepto que estava na bancada que era um confesso fanático por Steffi Graf que via ameaçado o seu estatuto pela jovem norte-americana de origem sérvia. O momento marcou um dos episódios mais tristes de sempre no mundo do desporto no geral e do ténis em particular.

 

Gunther Parche, alemão autor do ataque que tinha, na época, 38 anos de idade, foi preso apenas alguns instantes depois do sucedido, mas acabou por ser libertado pela justiça alemã que alegou que o próprio sofria de “insanidade mental”. O que é certo é que o autor do ataque disse sempre que o esfaqueamento só foi uma realidade pelo facto de este não querer que a alemã Steffi Graf perdesse o seu estatuto de melhor tenista de todos os tempos para Mónica Seles.

Depois deste triste episódio, a (muito promissora) carreira de Mónica Seles nunca mais foi a mesma: dois meses depois do ataque, Mónica Seles perdeu a liderança do ranking mundial pelo facto das suas colegas de profissão terem votado contra o congelamento do seu ranking exceção feita à argentina Gabriela Sabatini que votou em ‘branco’.

Seguiram-se dois anos de afastamento do circuito profissional de ténis devido ao sucedido no ataque de abril de 1993 sendo que Mónica Seles regressou aos courts, praticamente, dois anos depois, em 1995: esta foi uma temporada atípica, mas mesmo assim foi sinónima de título(s) uma vez que Mónica Seles conquistou o torneio de Toronto.

Quando se pensava que Mónica Seles dificilmente voltaria ao nível que a levou a número um mundial e à conquista de oito títulos do Grand Slam eis que a americana de origem sérvia ‘renasce’ das cinzas para, em 1996, voltar a erguer o troféu de campeã do Australian Open para somar o nono título em ‘majors’ quando ainda só tinha 23 anos, mas era protagonista de uma história no ténis que dava até para “escrever um livro”. Nesse mesmo ano, conseguiu ir ainda à final do US Open.

Até final da sua carreira, Mónica Seles conseguiu vencer mais títulos, mas não voltou a erguer troféus em Grand Slams. Ao longo do seu percurso Mónica Seles venceu 53 títulos (foi a nona tenista da história com mais títulos) na variante singular e juntou ainda mais seis na variante de pares. Mónica Seles foi número um mundial durante 178 semanas de forma não consecutiva e chegou a ser a tenista mais jovem de sempre a chegar a número um mundial: fê-lo com 17 anos e 99 dias, mas foi ultrapassada por Martina Hingis que foi número um do mundo com 16 anos e 182 dias. O seu último resultado de relevo foi nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, quando venceu a medalha de bronze. Mónica Seles fez ainda parte das equipas vencedoras dos Estados Unidos da América na Fed Cup nos anos de 1996, 1999 e 2000 e conseguiu amealhar cerca de 14 milhões de dólares em prize-money.

Seles retirou-se definitivamente no ano de 2003 e é considerada, de forma unânime, uma das melhores tenistas de todos os tempos sendo certo que nunca vamos ter certezas absolutas daquilo que poderia ter sido a carreira de Mónica Seles (que ainda assim foi brilhante) caso não tivesse sido esfaqueada.

O seu nome estará para sempre ligado ao mundo da bola amarela por tudo o que foi a vida de Mónica Seles dentro dos courts que a eterniza como uma das melhores figuras de sempre da modalidade que amamos como foi o caso, por exemplo, de Margaret Court, René Lacoste, Don Budge, Fred Perry e von Cramm, John McEnroe, Boris Becker, Maria Sharapova entre outros. Obrigado!

Jornalista de formação, apaixonado por literatura, viagens e desporto sem resistir ao jogo e universo dos courts. Iniciou a sua carreira profissional na agência Lusa com uma profícua passagem pela A BolaTV, tendo finalmente alcançado a cadeira que o realiza e entusiasma como redator no Bola Amarela desde abril de 2019. Os sonhos começam quando se agarram as oportunidades.